sábado, 31 de maio de 2014

Afasia Progressiva Primária

INTRODUÇÃO

A articulação e o entendimento de palavras é uma das principais formas de contato desenvolvida pelo homem ao longo da nossa evolução. Sem ela, não teríamos chegado ao ponto na cadeia evolutiva ao qual chegamos. Portanto, é fácil imaginar que uma doença que curse com declínio progressivo desta função social tão importante cause diversas dificuldades a quem a apresente. Afasia é o termo que define essa desordem central da compreensão e da expressão da linguagem.

DEFINIÇÃO

A afasia progressiva primária (APP) é uma síndrome definida, principalmente, pelo declínio progressivo da linguagem, cuja aparecimento é frequentemente relacionado a algumas doenças neurodegenerativas, mais especificamente das áreas de Broca e Wernicke. [1] As principais doenças neurodegenerativas são a doença de Alzheimer, demência vascular cerebral, a demência de Lewy e a degenerescência frontotemporal de Pick. [3] Possui três variantes mais conhecidas: afasia progressiva não fluente, demência semântica e afasia progressiva logopênica. Essa divisão é baseada em critérios que levam em consideração a parte motora da fala, a linguística e componentes cognitivos e cada uma das variantes está relacionada a um grau de atrofia em cada parte da área da linguagem e fala acometida. A APP não está relacionada a eventos traumáticos ou lesões súbitas.

APRESENTAÇÃO

No início, a doença se manifesta de forma semelhante a um lapso de memória, com dificuldade para lembrar nomes de pessoas ou lugares e, com o tempo, o paciente evolui com problemas na articulação das palavras, na leitura e na escrita. Em casos mais avançados, o paciente chega a ficar mudo. [4] Os pacientes apresentam os primeiros sintomas entre os 45 e 70 anos de idade. [3]

Segundo Antunes (2010): "A afasia progressiva não-fluente é marcada pelo discurso agramático, anômico, lento, hesitante e com pausas, pelas dificuldades no processamento da sintaxe complexa e pela probabilidade de coexistir com apraxia da fala. A descrição de afasia progressiva logopênica apresenta um quadro clínico semelhante ao anterior, mas perfis anatômicos diferentes e como particularidade as dificuldades de memória fonológica. Na demência semântica o discurso é fluído, com débito normal, articulação e sintaxe correctas, mas com pausas anômicas frequentes preenchidas por circunlóquios e/ou a imitação do uso de objectos. Consoante a perspectiva, a demência semântica poderá ser considerada como uma forma mais grave da afasia progressiva fluente ou como uma entidade distinta, estando afectada a memória semântica, ou seja, o conhecimento conceptual não-verbal e verbal, demonstrando dificuldades no acesso ou nas próprias representações semânticas armazenadas."


FIGURA 1 [ROGALSKI 2011] - Progression of cortical thinning in the left hemisphere by subtype: "Areas of significant cortical thinning in the left hemisphere at baseline (green) and 2 years later (blue) for each of the primary progressive aphasia variants. ATC = anterior temporal cortex; DFC = dorsal frontal cortex; IFG = inferior frontal gyrus; LTC = lateral temporal cortex; PPA-G = agrammatic primary progressive aphasia subtype; PPA-L = logopenic primary progressive aphasia subtype; PPA-S = semantic primary progressive aphasia subtype; TPC = temporoparietal cortex." (TEXTO INTEGRALMENTE RETIRADO DO ORIGINAL)
FIGURA 2 [MESULAM 2008] - Coronal magnetic resonance imaging (MRI) scan of Case 8 done 1 year after onset. The left perisylvian cistern is wider (asterisk), indicating more atrophy on that side. Postmortem examination also showed asymmetry, with greater microvacuolation in the left neocortex. However, there were no asymmetries of neurofibrillary tangle (NFT) distribution. Visual inspection of the MRI also showed that perisylvian atrophy was more severe than medial temporal atrophy. However, the NFT density did not show a perisylvian over entorhinal predominance. This patient illustrates the inconsistency of correlation between atrophy patterns and NFT distribution in primary progressive aphasia/Alzheimer’s disease (PPA/AD). (TEXTO INTEGRALMENTE RETIRADO DO ORIGINAL)

ABORDAGEM

Não há, ainda, cura medicamentosa para a APP. O paciente pode ser abordado com algumas medicações que agem de forma paliativa e melhoram sua qualidade de vida. A reabilitação fonoaudiológica mostra-se como bom método para redução da morbimortalidade. [4] É, também, de extrema importância que se oriente a família sobre como agir em situações do cotidiano, tendo, acima de tudo, paciência. Em virtude do grande impacto da APP sobre a vida do paciente e também sobre a dos familiares, é necessário que haja tal compreensão dos mesmos e apoio de equipe de saúde multidisciplinar assistente (Médico, Fonoaudiólogo, Psicólogo, Enfermeiro e outros) tanto para o enfermo quanto para seus relacionados.

REFERÊNCIA

1. Wilson, SM. Henry ML. et al. Connected speech production in three variants of primary progressive aphasia. BRAIN Journal of Neurology. 133; 2069-2088 (2010).

2. Grossman, M. “Primary Progressive Aphasia: Clinicopathological Correlations.” Nat Rev Neurol 6.2 (2010): p. 88-97.

3. Antunes, EB et al. Afasia progressiva primaria e variantes. Revista da Faculdade de Ciências da Saúde, no 7, p. 282-293 (2010)

4. GNCC - APP. Disponível em http://gncc.com.br/doencas/162-o-que-e-afasia-progressiva-primaria-app . Acesso em 31 de maio de 2014.

5. Mesulam, M. Wicklund, A. Alzheimer and Frontotemporal Pathology in Subsets of Primary Progressive Aphasia. Ann Neurol. Author manuscript; available in PMC Apr 22, 2010.Published in final edited form as: Ann Neurol. Jun 2008; 63(6): 709–719.

6. E. Rogalski, PhD, D. Cobia, PhD, T.M. Harrison, BS, C. Wieneke, BA, S. Weintraub, PhD, and M.-M. Mesulam, MD Progression of language decline and cortical atrophy in subtypes of primary progressive aphasia. Neurology. May 24, 2011; 76(21): 1804–1810

domingo, 25 de maio de 2014

Síndrome de Wolff-Parkinson-White na criança

INTRODUÇÃO

A síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW) é um distúrbio elétrico do coração muito frequente em nosso meio que faz com que este apresente um ritmo irregular acelerado de contração chamado taquiarritmia, causado pela estimulação de vias condutoras acessórias. [1][2] Nos EUA, atinge 136 em cada 100000 pessoas [3], sendo a maioria crianças com menos de dois anos. 60% dos casos em pacientes de até dois meses de idade, entretanto há relatos de pacientes diagnosticados com até 80 anos. [1]

FISIOPATOLOGIA

No coração normal, o batimento cardíaco é iniciado pela produção de estímulo elétrico pelo nó sinoatrial (NSA) localizado superiormente no átrio esquerdo, próximo à veia cava superior. A propagação vem logo em seguida, para os átrios via feixe de Bachmann, fazendo os átrios contraírem simultaneamente, e para o nó atrioventricular (NAV), próximo ao septo interventricular, através dos feixes internodais. O NAV atrasa o estímulo em alguns milissegundos, enquanto a contração atrial se conclui, e depois este se propaga pelo feixe de His e finalmente ganha os ventrículos pelos ramos direito e esquerdo.

O que ocorre na síndrome WPW é a criação de feixes acessórios atrioventriculares, chamados feixes de Kent, produto de uma má formação embriogênica, que geram um impulso extra que atravessa o NAV levam à contração mais precoce dos ventrículos, gerando assim a arritmia.


ARRITMIA

A condução extra causada pelo feixe de Kent através do NAV causa uma rápida despolarização e contração ventriculares levando ao aumento da freqüência cardíaca. A taquicardia supraventricular (TSV) paroxística é a arritmia mais comumente encontrada em pacientes com WPW, ocorrendo em 70% dos casos. [1] As outras arritmias mais freqüentemente encontradas são a fibrilação atrial e a fibrilação ventricular.

QUADRO CLÍNICO

Muitas vezes, devido à idade, a criança não sabe relatar quais sintomas e como eles a incomodam, configurando-se como fator importante na hora do exame. Há pacientes que não desenvolvem a TSV e portanto nunca desencadeiam sintomas da doença.

O mais notável a princípio é que as manifestações da doença aparecem em decorrência da taquiarritmia, que cursa com a elevada freqüência cardíaca apresentada, podendo chegar a ser de 220 até 280 bpm, apresentando por isso palpitação e dor no peito. Caso a TSV não seja tratada dentro de 24 - 48h, os sintomas podem evoluir com insuficiência cardíaca congestiva e o menor pode passar a apresentar-se com extremidades frias, pálido ou cianótico, hipotenso e taquipneico. Em casos graves, é possível que haja parada cardíaca.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico deve ser rápido e preciso para um melhor manejo. Além da história da doença atual e da apresentação clinica aqui já citadas, faz-se importante também perguntar sobre outros casos semelhantes na família, visto que 34% dos casos possuem familiares também acometidos. [1] 

Deve-se realizar um eletrocardiograma (ECG) para análise do padrão elétrico do coração. Nos pacientes com WPW, observa-se um QRS alargado em decorrência da formação de uma onda denominada Delta, que diminui o intervalo PR. 

Eletrocardiograma apresentando Onda Delta e alargamento de Complexo QRS.

Pode-se usar o ecocardiograma (ECO) para descartar eventuais defeitos estruturais cardíacos associados (raro) e pode visualizar o caminho acessório. Deve-se descartar também distúrbios hidroeletrolíticos e hipertireoidismo.

TRATAMENTO

O primeiro passo é tentar realização de manobras vagais, como posicionar bolsa de gelo sobre a fronte do menor, não sendo recomendadas massagem carotídea ou digitopressão ocular. Caso não funcione, deve-se fazer uma dose de adenosina. Para crianças, a dose inicial deve ser de 50 mcg/kg/dose, devendo-se aumentar 50 mcg/kg/dose a cada dois minutos caso não se observe resultados, até retorno ao ritmo e à freqüência sinusais normais ou até que se atinja a dose máxima de 250 mcg/kg. Como segunda opção dispõe-se de procainamida e a amiodarona. [1]

O tratamento cirúrgico está reservado para os casos refratários a drogas ou para arritmias muito sintomáticas e ameaçadoras à vida. Pode ser realizada em pacientes com menos de 18 meses de vida. [1]

PROGNÓSTICO

Os portadores da síndrome de Wolff-Parkinson-White sem tratamento não podem exercer atividades físicas competitivas em alto nível nem esportes radicais, tampouco podem exercer profissões de risco, visto o risco iminente de taquiarritmia e risco à vida do paciente e seus próximos.

Após tratamento medicamentoso ou cirúrgico o prognóstico é bom e não há qualquer restrição para atividade física e qualquer profissão poderá ser exercida. [4]

REFERÊNCIA

1. Hermosura T, Bradshaw W. Wolff-Parkinson-White syndrome in infants. Neonatal Network: NN [serial online]. July 2010;29(4):215-223. Available from: MEDLINE with Full Text, Ipswich, MA. Acessado em 24 de maio de 2014.

2. EBSCO Publishing. Wolff-Parkinson-White Syndrome. Smart Imagebase. August 23 2009 2:30 EDT. Disponivel em: http://ebsco.smartimagebase.com/wolff-parkinson-white-syndrome/view-item?ItemID=54310. Acessado em 24 de maio de 2014.

3. Rodday AM, Triedman JK, Alexander ME. Electrocardiogram screening for disorders that cause sudden cardiac death in asymptomatic children: a meta-analysis. 2012 Apr;129(4):e999-1010. doi: 10.1542/peds.2011-0643. Epub 2012 Mar 5. Disponivel em: PubMed. Acessado em 24 de maio de 2014.


4. Arritmia cardiaca. Entendendo os sintomas e as doenças: WPW. Disponivel em: http://www.arritmiacardiaca.com.br/p_entendendo10.php. Acessado em 24 de maio de 2014.


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sábado, 24 de maio de 2014

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sábado, 17 de maio de 2014

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica: relato de caso

Introdução 

“A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma enfermidade respiratória prevenível e tratável, que se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo, que não é totalmente reversível. A obstrução do fluxo aéreo é geralmente progressiva e está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação de partículas ou gases tóxicos, causada primariamente pelo tabagismo."[3]

Compreende o que antes era entendido como duas doenças diferentes: 1) bronquite crônica e 2) enfisema pulmonar. Apesar do fato de que pacientes possam pender a um quadro clínico mais exacerbado de uma ou de outra, ambas estão sempre presente e com um fator comum: a inflamação crônica do pulmão e deterioração de sua função. Na bronquite, a inflamação se dá nos brônquios e acarreta intensa produção de muco. Já no enfisema, os alvéolos (parte final do pulmão onde ocorre a troca gasosa) se inflamam, causando destruição do tecido e formação de bolhas nos pulmões. [1]

A DPOC ganhou notabilidade no meio médico na última década em vista da da conscientização acerca de sua importância quanto a morbidade e mortalidade. No Brasil, é a quarta causa de morte e 107.154 pacientes foram internados por DPOC em 2012 [2], elevando os gastos do Sistema Único de Saúde e da Previdênica Social em gastos diretos e gastos indiretos, como aposentadorias precoces, morte prematura bem como sofrimento familiar e social.

Geralmente os sintomas iniciais são tosse e expectoração crônicas, seguidos de dispneia progressiva aos esforços. 95% dos pacientes têm história de tabagismo [2].

O diagnóstico é realizado a partir do quadro clínico,  dos antecedentes do paciente, da epidemiologia e através das provas de função pulmonar (espirometria). A radiografia simples do tórax é por vezes um exame inespecífico, fazendo-se mister de uma tomografia para melhor avaliação.

Os principais objetivos em relação aos cuidados com os pacientes com DPOC são: diagnóstico precoce, interrupção na evolução da doença, redução dos sintomas, melhora na qualidade de vida e rápida intervenção durante as crises.

Relato de caso

E.M.S., sexo masculino, 57 anos de idade, ex-pedreiro, tabagista desde os 14, deu entrada na UPA Santa Rita com história de tosse e secreção purulenta crônicas, além de dispneia a médios esforços.

Foi internado por 10 dias pelo agravamento do quadro clínico no Hospital Clementino Fraga em João Pessoa, sendo prescrito antibiótico, corticoide (budesonida) e broncodilatadores (formoterol)

Ao exame físico, tórax em barril com hipercifose torácica, expansibilidade reduzida, percussão hipertimpânica e ausculta com sibilos em todo o pulmão, bilateralmente.


Exame radiográfico pobre, sem alterações esclarecedoras.


No momento da visita, paciente se preparava para deixar o hospital e continuar tratamento clinico de forma domiciliar.


Referência


2) SBPT


sábado, 10 de maio de 2014

Evento vascular cerebelar hemorrágico: conduta.

As doenças que acometem o território vertebrobasilar, responsável pela porção posterior  da vascularização do encéfalo, costumam apresentar piores evolução e prognóstico quando comparadas àquelas que acometem o território carotídeo, anterior. Entretanto, por apresentarem menor frequência de acontecimento (10% das hemorragias parenquimatosas não traumáticas), há uma menor quantidade de estudos quanto a sua conduta.

Clinicamente, o paciente vítima de evento hemorrágico atravessa três fases: uma inicial, com sintomas inespecíficos como cefaleia e tontura e específicos, relacionados à região acometida (cerebelovestibular); no estágio intermediário, o paciente apresenta-se confuso e pode apresentar hipertensão intracraniana (HIC); já no estágio tardio, de compressão do tronco cerebral, há alterações cardiovasculares e evolução para coma. O tempo decorrido entre os estágios depende do volume da lesão, da velocidade com que se expande e do grau de compressão do IV ventrículo. Para diagnóstico por imagem, a tomografia sem contraste é o método de escolha.
Tomografia de paciente vítima de evento cerebelar hemorrágico.
Quanto ao tratamento, deve-se monitorar o paciente hemodinamicamente e acompanhar  seu nível de consciência, tendo em vista que estes são parâmetros indicadores de evolução da lesão. Tomografias seriadas também devem ser realizadas, sendo o intervalo entre elas de julgamento do médico assistente.

Os casos cirúrgicos são reservados para hematomas com:
  • > 4 cm em seu maior comprimento (à tomografia);
  • Compressão do tronco cerebral e/ou cisterna quadrigeminal
  • Rebaixamento do nível de consciência
  • Hidrocefalia
A técnica mais utilizada para abordagem de evacuação cirúrgica do hematoma é a craniotomia suboccipital, podendo ser mediana ou paramediana, preferencialmente com o paciente em decúbito ventral. O acompanhamento clínico está reservado apenas para pequenos hematomas, pacientes alertas e tomografia sem sinais de compressão. 


O nível de consciência é, entre todos, o fator mais importante no momento da definição da conduta e no estabelecimento do prognóstico, a longo prazo. Este, geralmente apresenta deterioração entre o segundo e o quarto dias pós-icto.